Opinião
Rafael Marques
Jornalista Angolano Dos Santos, transição e mudança
Savimbi morreu há um ano. Durante anos Savimbi foi, para José Eduardo dos Santos, a sua principal estrela da sorte. A Savimbi se atribuíam todas as desgraças pelo desgoverno de Angola, por tudo que havia de mal no país. Um ano após a sua morte, a sociedade angolana continua de um modo geral, amarrada à sua própria inércia. Com José Eduardo dos Santos à frente dos destinos de Angola, o país continuará a ser refém da corrupção e da falta de vontade política em reformar, com seriedade, o sistema e o modo de governo. Porque: Primeiro - uma séria reforma afectaria a corrupção institucional, o principal suporte de apoio ao regime e a sua liderança. Segundo - várias figuras de proa do regime teriam de ser definitivamente dispensadas do exercício de cargos públicos, o que afectaria a capacidade do presidente em controlar o poder pela via dos esquemas. Terceiro - a coesão do regime, assente no acesso privilegiado e venal aos recursos naturais e financeiros do país, cairia como um castelo de cartas. Quarto - no afã de se adaptarem à mudança, vários sectores do poder projectariam as suas denúncias contra o próprio chefe. Pairaria no ar, o efeito Chiluba. Então, a fuga para a frente. Enquanto o povo não vem, Dos Santos continua inabalável a fazer a guerra em Cabinda. Numa outra frente, continua a adiar ad aeternum a sua saída do poder. Atrasa, tanto quanto possível, a realização de eleições, dribla a necessidade de um processo abrangente de reconciliação nacional e faz da democracia um avião de papel. Ao contrário do que parece ou dá a entender, a situação de Dos Santos e seus colaboradores mais próximos é crítica. Estão sozinhos nas suas cogitações entre o seu futuro político, o julgamento da mudança ou o exílio dourado. Toda a propaganda e todo o apoio internacional, já se mostram desajustados para contrapor a onda da calamitosa situação dos angolanos. A esperança da paz tem sido minada pela fome geral e pelo cortejo insensível de luxos da caravana presidencial. A pressão popular está a fermentar por todo o lado. A melhor saída para a crise ainda continua a ser o diálogo franco e inclusivo que possa garantir, num espírito de compromisso e perdão, uma confortável retirada política de Dos Santos e um possível exílio sem processos judiciais. Isso facilitaria, ao MPLA, reganhar algum espaço moral para situar-se no contexto da democracia, da competência e da transparência, sem arrogância que lhe advém do culto de personalidade ao chefe.
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Com a devida vénia Diário de Notícias (10 de Fevereiro de 2003)